Os Extratos estandardizados, também apelidados padronizados, não correspondem ao “Totum Vegetal”[1]. A tecnologia e o uso de solventes sofisticados mas inapropriados em termos fisiológicos, permitem atualmente “concentrar” os extratos vegetais em determinadas substâncias, para quantificações muito acima dos cinquenta por cento.
Escrevemos concentrar entre aspas, porque o termo neste caso acaba por se revelar dubio e passível de interpretações de marketing industrial, que se opõem quase sempre ao rigor dos factos científicos. Na realidade para se obterem estes “concentrados”, é sempre necessário eliminar do “Totum vegetal”, toda uma série de moléculas que são fundamentais para a atividade fisiológica do vegetal. Lembremos que as propriedades do vegetal, no que se refere à saúde humana, são sempre aferidas ao seu uso tradicional como “totum vegetal” e nunca à utilização de moléculas, ou grupos moleculares, usados isoladamente. Por exemplo, a alcachofra (Cynara Scolymus) deve as suas propriedades, fruto do uso empírico de algumas centenas de anos sob a forma de tisanas (totum vegetal), ao total intracitoplasmático, e não à cinarina isolada. No entanto os extratos de alcachofra estandardizados, são concentrados em cinarina a mais de 15%; podendo atingir os 40%, cinarina essa que na planta, poderá atingir no máximo, em alguns lotes do vegetal, os 8%. Para se conseguir este tipo de produto é necessário utilizar tecnologia (física) apropriada, e solventes (química) na maioria das vezes perigosos para a saúde dos consumidores. Estes solventes (éter; metanol; acetona; clorofórmio; benzeno; hexano e outros), deixam sempre resíduos no produto final, em quantidades apreciáveis, e que em produtos que são consumidos em quantidades significantes por longos períodos, como é o caso dos suplementos, se revelam fisiológicamente contraproducentes. Além do mais, estes solventes não são referidos nas rotulagens dos produtos finais. Por serem usados em processos intermédios produtivos de matéria-prima, a legislação assim o permite.
A kava-kava (piper metysticum), um vegetal utilizado tradicionalmente pelos povos da polinésia em festas ritualizadas, como euforizante, foi apropriado pela indústria norte americana e europeia, passando a ser utilizado como estabilizador do humor e redutor dos processos depressivos. Nos anos 90 do século passado, um extrato estandardizado de kava-kava, quantificado a mais de 80% de kavalactonas, substâncias supostamente consideradas as principais responsáveis pela sua atividade fisiológica anteriormente enunciada, originou variados casos de hepatotoxicidade grave, que em 2 casos se revelou fatal. Investigação posterior provou que tal facto se ficou a dever exclusivamente às kavalactonas que se descobriu possuírem efeitos muito tóxicos sobre a célula hepática.Todavia um outro facto se revelou também preponderante nesta abordagem, O “totum vegetal” de kava-kava possui elevadas quantidades de glutatião, um tripéptido conhecido como hepatoprotetor, que exerce uma sinergia de tipo antagónico, quando da ingestão dos extratos totais da planta. Por isso o “totum vegetal” não possui hepatotoxicidade, mesmo quanto ingerido em quantidades significativamente elevadas. No entanto a utilização do extrato estandardizado revelou-se completamente inadequado para consumo humano, porque não só as kavalactonas são tóxicas, como neste tipo de produto, o glutatião deixou de ter existência, para que as kavalactonas pudessem existir em maior quantidade. O “totum vegetal” foi desvirtualizado, e desta forma o produto tradicional, bem conhecido, eficaz e seguro originou algo desconhecido e com uma relação eficácia – segurança, completamente em detrimento desta última.
Na realidade os extratos estandardizados não são superiores aos extratos totais em termos de atividade fisiológica benéfica, podendo inclusivamente revelar-se prejudiciais. Também na grande maioria dos extratos estandardizados, a substância utilizada como referência a concentrar, não foi alvo de estudos que comprovem ter atividade especificamente superior ao extrato total. Em nossa opinião este tipo de produto final assume características de produto farmacológico, e poderá ser também considerado como alvo da legislação “novel food”, na medida em que sob a forma modificada a grande maioria destes extratos não era comercializada antes de 1997.
Por que razão então a industria insiste na sua comercialização?
A comercialização de extratos totais, não é passível do recurso a patentes, enquanto os extratos estandardizados o são[2]. Assim é possível tirar mais-valia da sua comercialização, e particularmente usar esse facto como fundamento para campanhas de marketing pseudocientífico, fazendo crer que se trata de produtos mais concentrados e que por isso de superior qualidade. A estandardização (padronização) também exige o recurso a tecnologia e processos físico-químicos algo sofisticados, o que não está ao alcance económico de todos os agentes económicos, o que assegura que os mais poderosos levem vantagem sobre as pequenas e medias empresas, sem recursos financeiros à sua completa disposição. A estandardização revela-se assim promotora de concorrência pouco leal, em particular se levarmos em conta o marketing científico atrás referido.
Interessante também será notar, que a partir de uma matéria-prima vegetal em má condição (colheira feita fora do período apropriado; secagem em más condições; razuração e pulverização efetuadas de forma inapropriada; indícios de processo fermentativo, etc), se poderá produzir um extrato final estandardizado de grande “qualidade”, na medida em que o único parâmetro que interessará neste caso, será a percentagem da substância (molécula) ou grupo de substâncias (moléculas), alvo do processo de estandardização.
Os extratos não manipulados físico-quimicamente[3], são pois preferíveis aos apelidados estandardizados, porque correspondem ao “totum vegetal” e por isso à sua utilização tradicional, porque a relação eficácia – segurança é muito superior, porque não contêm solventes pouco apropriados para a fisiologia (saúde) humana, porque cumprem os preceitos legais vigentes sem margem para dúvidas, porque não originam discrepâncias económico – concorrenciais, porque para se obter um produto final de qualidade, se deverá utilizar matéria-prima de qualidade, e para finalizar, porque respeitam os preceitos ecológicos, não só por não utilizarem solventes químicos, mas porque não dão origem a tanto desperdício de plantas medicinais, pois que para se proceder aos processos de concentração de algumas moléculas, se desperdiçam todas as outras constituintes do total intracitoplasmático.
No entanto existem exceções que confirmam a regra. Na realidade existem alguns extratos estandardizados a serem utilizados há mais de 25 anos, e que têm sido sujeitos a rigorosos estudos que revelam um ratio eficácia-segurança muito elevado. A percentagem de substância ou grupo de substâncias alvo da estandardização é bastante variável, podendo em alguns casos aproximar-se dos 100%. Nestes casos podemos considerar que estamos perante moléculas ou grupo moleculares isolados o que em termos fisiológicos deverá ser considerado, já não como fitoterapia, mas como suplementação com substância isolada. Neste domínio a piperina do Piper Nigrum e a Curcumina ou curcuminoides da Curcuma Longa são excelentes exemplos, e no fundo não diferem muito dos mesmos princípios biológicos (bioquímico-fisiológicos) aplicados à utilização de algumas vitaminas, proantocianidinas (semente de uva); Polifenois (maçã); ácidos orgânicos (de citrinos); terpenos (de espécies citrus); cafeína – metilxantina (café, guaraná, noz-de-cola), etc.
Há pois a necessidade de ponderar muito bem esta problemática no presente e para o futuro.
Enunciamos alguns extratos estandardizados que reputamos de elevado ratio eficácia-segurança e que em nossa opinião são perfeitamente passíveis de utilização em suplementos alimentares:
- Curcuma Longa (extrato estandardizado a 95% de Curcuminóides);
- Piper Nigrum (extrato estandardizado a 95% de Piperina);
- Camellia Sinenis (extrato estandardizado a 30% de Epicatequina);
- Avena Sativa (extrato estandardizado a 30% de Ácido Ferúlico);
- Citrus Sinensis (extrato estandardizado a 20% de D-Limoneno);
- Bacopa Monnieri (extrato estandardizado a 20% de bacósidos);
- Arthrospira Platensis (extrato estandardizado a 30% de Ficocianinas).
- Trigonella Foenum-Graecum (extrato estandardizado a 50% de saponinas esteróidicas).
- Oryza Sativa (var. nigra) (extrato estandardizado a 20% de Cianidina-3-Glucósido).
- Centelha Asiatica (extrato estandardizado a 8% de triterpenoides).
- Boswellia Serrata (extrato estandardizado a 50% de Ácidos beta-bosvélicos).
- Whitania Somnifera (extrato estandardizado a 8% de witanólidos).
- Coleus Forskohlii (extrato estandardizado a 10% Forscolina).
Ao contrário do que alguns pretendem fazer passar como evidência científica não é necessário estandardizar para se controlar a qualidade dos extratos vegetais. Efetivamente, a titulação é a metodologia mais utilizada para este fim, e não implica uma manipulação físico-química.
Na titulação apenas se quantifica uma determinada substância ou grupo de substâncias, no sentido de garantir que, a sua presença na respetiva percentagem em relação ao extrato total “totum vegetal”, se encontra dentro dos parâmetros aceitáveis como referência da qualidade. Esta técnica, não deixa no entanto de ser um processo reducionista. Existem todavia algumas metodologias de cariz mais holístico, como o capilarograma e a olfactometria, capazes de refletir um referencial de qualidade, mais conforme o conceito de “totum vegetal”, na medida em que não se remetem apenas a processos quantitativos, mas fundamentalmente se aferem a processos qualitativos. Pensamos que a titulação usada em conjunto com o capilarograma e (ou) olfactometria, será a melhor opção no que toca ao controlo de qualidade de extratos totais (não estandardizados). A cromatografia em camada fina e de alta pressão também desempenham papeis importantes no controlo qualitativo e quantitativo de extratos vegetais.
[1] Este facto seria suficiente para que o seu uso em suplementos alimentares (fitoterapia), fosse rejeitado. Ver artigo sobre “Totum Vegetal”. Todavia muitos mais argumentos existem para a sua rejeição.
[2] Quase sempre comercializados sob o registo de “trade marks”.
[3] Os produtos finais obtidos a partir do pulverizado (micronizado) de vegetais dessecados, também corresponde ao “totum vegetal” e constitui muitas vezes uma opção otimizada tendo como único inconveniente a menor concentração em relação aos extratos totais integrais, não manipulados.
Autor > Eduardo Ribeiro, CEO Departamento cientifico | Controle de Qualidade| Investigação e Desenvolvimento– BIOGAL, Biologia de Portugal Lda.