A problemática da interação planta-medicamento situa-se no plano das meras teorias mal fundamentadas, e em alguma experimentação mal conduzida e assente em permissas incorretas.
Fazer passar a imagem de que esta problemática está alicerçada em fundamentos científicos usando nomenclatura sofisticada e indecifrável pela maioria da população e até por alguns profissionais de saúde bem esclarecidos, recorrendo excessivamente à fisiologia e bioquímica, mas sempre com muita imprecisão, por vezes raia a fantasia.
Por outro lado utilizam-se excessivamente termos como; pode; sugere-se ou sugestivo, possivelmente, talvez, etc., em estudos e exposições em palestras.
Qualquer argumento que utilize frequentemente estes termos é falacioso e não poderá nunca assentar em bases científicas sólidas. Estamos no domínio da suposição e nem sequer aqui o empirismo é relevante.
Entretanto muitos destes estudos fazem referência ao uso de substâncias isoladas e purificadas de plantas, como é o caso dos ginkgobilósidos da ginkgo biloba e de extratos altamente estandardizados, como é o caso da hipericina no hypericum perforatum ou das kawalactonas do piper methysticum (kava).
Este tipo de produtos não têm uso em suplementos alimentares e devem ser considerados pois como fármacos, uma vez que não correspondem ao “totum vegetal”[1] original da planta e que serve de referência tradicional quanto ao seu uso, sendo portanto de referenciar no que respeita á sua segurança inclusive no que respeita a uma possível interação com medicamentos (fármacos).
Por vezes chega-se ao exagero de considerar supostamente alguns vegetais, como o citrus limonum (vulgo limão), allium sativum (vulgo alho) e zinziber officiale (vulgo gengibre), possivelmente responsáveis por interações graves com certos medicamentos. A utilização destes alimentos ao nível nacional e mundial em sumos e como especiarias, prova irrefutavelmente, que se está no domínio da fantasia e até da falácia. É claro que existem plantas com efeitos toxicológicos relevantes.
Pretendendo abordar com objetividade e rigor científico, esta questão, iremos seguidamente analisar vários vegetais no que respeita a eventuais interações planta-medicamento tendo como fonte de trabalho o estudo meta-analítico,[2] “Interections Between Herbal Medicines and Prescribed Drugs Updated Systematic Review”, elaborado pelo departamento de farmacologia experimental da Universidade de Nápoles em Itália, em parceria com as Universidades de Exeter e Plymouth no Reino Unido. Este trabalho revela-se paradigmático, na medida em que, é uma recolha exaustiva de dados sobre centenas de outros trabalhos de investigação, muitos deles experimentais.
- Equinacea (E. purpúrea; E. Angustifolia e E. Pallida). A recolha de dados acerca deste vegetal acaba referindo que a evidência sugere que a echinacea não coloca riscos para os pacientes em uso concomitante com medicamentos. A esta conclusão chega-se entretanto abordando vários trabalhos com resultados transitórios, envolvendo sempre cadeias metabólicas onde os citrocromos aparecem sempre como intervenientes bioquímicos preferenciais da investigação, acrescentando-se no entanto que a echinacea não afeta a farmacocinética da digoxina, um substrato da P-Glicoproteina outra entidade bioquímica muito usada nestes estudos de interação planta medicamento.
- Alho (allium sativum). Neste estudo a utilização excessiva dos termos “pode” e “sugere” é reveladora da incerteza acerca das interações. No entanto sublinhamos algumas passagens também bastantes reveladoras. Sugere-se num estudo que o alho pode influenciar a função plaquetária (agregação das plaquetas sanguíneas), provocando efeitos sobre a coagulação com risco de sangramento, no entanto, dois estudos concluem que o alho não altera a farmacodinâmica nem a farmacocinética da warfarina (um anticoagulante) e que este vegetal não coloca riscos sérios de hemorragia em pacientes monitorizados com medicamentos como a warfarina.
O alho aparece em alguns estudos como supostamente capaz de interferir no metabolismo, via citocromos e p-glicoproteina substratos, do squinavir (um retroviral usado nos hiv-positivos). No entanto adianta-se que a evidência experimental em humanos não confirma esta hipótese, e que a razão para estas discrepâncias não está claramente clarificada. O estudo acerca do alho acaba referindo que em relação ao hipotético efeito excessivamente anticoagulante, quando administrado com medicamentos (fármacos) anticoagulantes, não foi confirmado em estudos clínicos.
- Ginkgo (ginkgo biloba). Aqui é uma vez mais levantada a possibilidade de interação com anticoagulantes, através do mecanismo de agregação plaquetária. De realçar que neste caso os únicos estudos conclusivos foram obtidos com utilização experimental dos ginkgolidos isolados, o que, como já referimos anteriormente neste artigo, não constitui prova de interação de qualquer suplemento alimentar, na medida em que nos suplementos apenas se utiliza o extrato total (totum vegetal) da ginkgo biloba. Todavia mesmo assim se refere que recentes estudos não confirmam estes efeitos, e que nenhuma significante correlação entre o tempo de sangramento e a inibição da agregação plaquetária, acrescentando que uma sistemática revisão de oito estudos randomizados, conclui que a evidência não demonstra que o extrato de ginkgo biloba cause significantes modificações nos parâmetros de coagulação do sangue. O ácido valproico e fenitoina (dois antiepiléticos) também aparecem como possíveis alvos de interação da ginkgo biloba, concluindo-se entretanto que as flutuações nas concentrações orgânicas, destas duas substâncias não podem ser definitivamente atribuídas a interações planta-medicamento.
- Ginseng (panax ginseng). O texto chama a atenção para o uso nestes estudos de extratos estandardizados em ginsenósidos. Se estes extratos forem altamente estandardizados, como já referimos, extravasam o princípio de utilização do “totum vegetal”, referência para os suplementos alimentares, e por isso nem sequer devem ser alvo de preocupação da nossa parte. No entanto acrescentemos que no texto deste estudo se indica que apesar de alguns estudos revistos levantaram a hipótese de interação, uma vez mais com anticoagulantes, vários estudos clínicos não confirmam que o ginseng afete a função plaquetária, nem que altere a farmacodinâmica ou a farmacocinética da warfina (anticoagulante).
- Kava (piper methysticum). Como já enunciamos anteriormente com a kava, foram registados com um extrato altamente estandardizado a cerca de 85% de kavalactonas, uma família de moléculas fitoquímicas.
Este tipo de produto, como já salientámos variadas vezes neste texto não correspondendo ao princípio fundamental da utilização do extrato total (totum vegetal), pura e simplesmente não é usado em suplementos alimentares. Por isso não nos debruçaremos sobre esta questão.
- Serenoa (serenoa repens bartram). O estudo refere que não existe nenhuma evidência clinica seria que revele qualquer tipo de interação planta-medicamento.
Concluindo que “estes dois estudos clínicos evidenciam que este vegetal não possui efeitos significantes nos citocromos P1A2; P2D6; P2E1 ou P3A4 em voluntários testados, e tendo como substratos experimentais da investigação benzodiazepinas como Alprazolam, e o Midazolam, e ainda outros fármacos como Clorzoxazona, a Debrisiquina e Destrumetorfano”.
- Erva-de-s.joão (hypericum perforatum). O estudo indica que o uso individual, possui um perfil de segurança apropriado. No entanto também refere que existe a possibilidade de existirem interações com medicamentos, e que estas parecem ser devidas à capacidade deste vegetal induzir as enzimas citocrómicas e a P-Glicoproteina ao nível intestinal. Os estudos relativos a uma serie de medicamentos como por exemplo a Digoxina, a Fexofenadina e o Talinolol são contraditórios, uma vez que alguns demonstram haver uma baixa da concentração plasmática dos substratos da P-Glicoproteina, enquanto curiosamente outros estudos concluíram ter havido um estímulo e até mesmo não ter havido qualquer efeito. Finalmente a evidência clínica sugere que o conteúdo de hiperforina (molécula existente no extrato) é determinante nos processos de interação planta-medicamento, na medida em que, extratos com baixo teor de hiperforina (os que são utilizados em suplementos alimentares) possuem um muito fraco ou inexistente efeito no citrocromo P e na P-Glicoproteina; adiantando-se inclusivamente que estes extratos não modificam as concentrações plasmáticas de contracetivos orais (vulgo pílula).
Existe mesmo um estudo que indica haver um efeito de tipo contrário. Neste estudo a Carbamazepina usada durante 7 dias diminui significativamente as concentrações plasmáticas de Pseudohipericina (uma molécula existente nos extratos), representando este caso uma situação em que um fármaco sintético afeta os efeitos fisiológicos de uma substância existente num extrato vegetal. Este estudo de revisão sobre centenas de outros estudos, conclui que muitas destas publicações são de pobre qualidade e omitem importantes detalhes e que os mais detalhados nunca se preocupam em estabelecer a relação causa efeito concluindo ainda que não se pode extrapolar os resultados obtidos com uma determinada preparação vegetal, para todas as outras existentes.
Finalmente não poderíamos deixar de e acrescentar que havendo prova absoluta de interações planta- medicamento, a obrigação de referir tal situação nas embalagens (literaturas) deve ser ónus do medicamento e não do produto (suplemento alimentar ou alimento) contendo plantas. Aliás isto já é prática comum em variadas situações, como por exemplo; as tetraciclinas que referem não se dever ingerir leite e seus derivados por serem ricos em cálcio, que diminui a absorção destes antibióticos; dos IMAO (inibidores da mono aminaoxidase), anti-depressivos que alertam para o facto de não se deverem ingerir muitos alimentos ricos em aminas por sofrerem inibição na catabolização, se concentrarem no organismo e poderem provocar cefaleias (dores de cabeça).
[1] Ver artigo sobre “totum vegetal”.
[2] Abordamos apenas as plantas, que são atualmente alvo de maior especulação, na problemática interação planta-medicamento.
Autor > Eduardo Ribeiro, CEO Departamento cientifico | Controle de Qualidade| Investigação e Desenvolvimento– BIOGAL, Biologia de Portugal Lda.