Alguns autores, em especial de áreas afins da farmacognosia, e alguns pretensos “novos” investigadores no campo das plantas medicinais, costumam utilizar excessivamente o conhecimento fitoquímico[1] como principal argumento para encetar ou tentar encetar uma proibição de utilização de alguns vegetais medicinais em alimentos e em suplementos alimentares. Utilizam para isso toda a nomenclatura deveras impressionante em que a fitoquímica é pródiga, chamando particularmente a atenção para os alcaloides com especial relevo os pirrolizidínicos, e para os glicósidos, esgrimindo com a toxicologia e atividade farmacológica destas substâncias. Não é neste artigo nossa intenção abordar a questão da toxicologia relativa a substâncias fitoquímicas, pois sobre esta questão já estamos suficientemente esclarecidos noutros artigos, em especial sempre que abordamos o “totum vegetal”.
Na realidade aqui o que pretendemos é esclarecer que nos alimentos vegetais existem também quase todas as moléculas ou “famílias moleculares” que existem nas apelidadas plantas medicinais, comprovando-se uma vez mais que a atividade farmacológica e a toxicologia só devem sistematicamente ser consideradas e esgrimidas quando se utilizam moléculas isoladas e purificadas[2] ou as suas cópias moleculares, e nunca quando da utilização do total intracitoplasmático vegetal, seja em relação às apelidadas plantas medicinais seja em relação aqueles que são normalmente considerados alimentos vegetais.
A química alimentar (bioquímica alimentar) é hoje uma disciplina científica muito desenvolvida e por isso se presta a eventuais comparações, como aquela que aqui estabelecemos. Para colocar na prática as nossas intenções passaremos a um discurso bastante técnico, de terminologia científica, seguramente desagradável para os menos versados e interessados nestas matérias, mas fundamental para os nossos propósitos, e certamente do agrado daqueles que gostam de lidar com as questões de nomenclatura química e bioquímica.
GLICÓSIDOS CIANOGÉNICOS – Os glicósidos cianogénicos são formados no metabolismo vegetal, a partir de variados aminoácidos, como por exemplo a valina, a fenilalanina e a tirosina, que originam inicialmente uma aldóxima, que por libertação de uma molécula de água forma o nitrilo. O nitrilo após ser acrescido de um átomo de oxigénio transforma-se em 2-Hidroxinitrilo, iniciando finalmente a biossíntese do glicósido cianogénico, por adição de uma ose (açúcar), normalmente a glucose, mas também em alguns casos a genciobiose, sempre com o impulso energético para a reação da UDP (Uridina Difosfato). Estes glicósidos cianogénicos possuem alguma toxicidade, mesmo em pequenas percentagens, estando no entanto presentes apenas em sementes como as do linho, das amêndoas amargas, dos pêssegos maçãs e no sorgo. Alguns exemplos mais representativos destes glicósidos são a amigdalina, a linamarina, a prunasina e a durrina.
Nas apelidadas plantas medicinais mais vulgarmente usadas em suplementos alimentares estes glicósidos quase nunca estão presentes e quando estão, encontram-se em dosagens infinitesimais, que tornam praticamente impossível qualquer acidente com a sua utilização.
FITOESTROGÉNIOS[3] – Os fitoestrogénios são compostos fenólicos que existem em alguns vegetais e que estruturalmente se assemelham aos estrogénios dos mamíferos. A sua atividade hormonal de tipo estrogénico no organismo animal é da ordem dos 0,1 a 0,2 por cento em comparação com a atividade hormonal do estradiol humano. Alguns autores sugerem a utilização destas substâncias como substitutos da atividade estrogénica, por exemplo em mulheres pós menopausa. No entanto outros autores são de opinião que estas substâncias possuem uma atividade essencialmente anti estrogénica por bloqueio dos recetores estrogénicos (por similitude estrutural) e por possuírem um efeito muito mais fraco que os estrogénios humanos.
O COUMESTEROL – Um derivado cumarínico de isoflavonas, é um dos principais representantes deste grupo fitoquímico e encontra-se em diversos legumes, mas especialmente no feijão de soja. As isoflavonas utilizadas em suplementos alimentares são oriundas de extratos concentrados destas substâncias. Em nossa opinião trata-se de moléculas que devido ao facto de possuírem uma atividade fisiológica essencialmente de cariz nutricional, e por se revestirem de grande inocuidade e toxicologia quase nula [4] podem ser utilizadas sob a forma concentrada, ou eventualmente até sob a forma isolada e purificada.
SAPONINAS – São substâncias que quando dissolvidas em água dão origem à formação de espuma. São constituídas por ácidos urónicos uma ose ou monossacárido (açúcar) como por exemplo a arabinose, ou por cadeias de oses, e por uma aglicona ou genina. Estas moléculas que no fundo acabam por ser heterósidos apresentam-se normalmente em função da estrutura da genina como saponinas esteróidicas ou triterpenóides. Existem em vegetais tradicionalmente alimentares como os amendoins, espinafres, espargos, lentilhas e feijão de soja.
No que respeita aos vegetais tradicionalmente considerados medicinais, podemos referir a salsaparrilha, a discorea, o feno-grego, a saponária, e muitas outras, incluindo algumas potencialmente tóxicas como a digitalis e o estrofanto.
AMINAS – Grupo químico muito disperso pelos organismos vegetais, assim como pelos organismos animais e inclusivamente pelos microorganismos. Trata-se de moléculas em que o átomo de azoto está unido diretamente a um átomo de carbono, podendo-se assim considerar como derivadas do amoníaco. A histamina, N-acetilhistamina e N,N-Dimetilhistamina encontram-se nos espinafres e a triptamina, serotonina, melatonina e tiramina em especial nos tomates. Alguns vegetais considerados medicinais contêm aminas, como por exemplo a bolsa-de-pastor (Capsella bursa-pastoris), que contém histamina e tiramina.
COMPOSTOS FENÓLICOS – [5] Este grupo fitoquímico é bastante variado, preferindo alguns autores considerar os compostos fenólicos como fazendo parte dos compostos aromáticos. Nele se integram os flavonoides. Ocorrem essencialmente em frutos sendo os principais responsáveis pela sua cor e gosto quando formam complexos com alguns metais (minerais), resulta descoloração. Quimicamente são na realidade compostos aromáticos[6] cujos anéis possuem cadeias laterais hidroxiladas. Os ácidos hidroxicinâmicos, as hidroxicumarinas e os ácidos hidroxibenzóicos e seus derivados (ácido P-cumárico, àcido ferúlico, àcido cafeico e sinápico, ácidos cafeilquímicos, àcido salicílico, àcido gentísico, àcido gálhico, àcido vanílico, àcido elágico), são os grandes representantes deste grupo fitoquímico, e encontram-se difundidos entre cereais (aveia); arroz integral; pêras, maçãs, cerejas, pêssegos, morangos, groselhas, mirtilos e baunilha, entre outros frutos.
BETALAÍNAS – Grupo fitoquímico também correntemente incluso no grande grupo dos compostos aromáticos, as betalaínas são pigmentos que ocorrem em alguns cogumelos com alguma coloração vermelha e na beterraba. São constituídas pelas betacianinas (vermelho violeta) e pelas betaxantinas (amarelo). A betanina que é o principal pigmento da beterraba vermelha é uma das principais moléculas originárias das betacianinas.
AlCALÓIDES ESTERÓIDICOS – São constituintes fitoquímicos possuidores de um C27 esqueleto esteróidico contendo azoto na sua estrutura. As solanaceas contêm estes compostos que ocorrem especialmente em batatas, com predominância para alfa-solanina.
TRITERPENÓIDES – Predominam em citrinos e curcubitáceas e são representados pelos limonóides e curcubitacinas.
BENZOFENONAS – Existem em variados frutos, em particular nas mangas. Estruturalmente são cetonas aromáticas.
ESTILBENOS – Representados especialmente pelo resveratrol, estão presentes em vinhos tintos, e alguns frutos secos como os amendoins. Estruturalmente são compostos aromáticos de tipo hidrocarboneto com ligação dupla trans eteno, com substituição por um grupo fenila nos átomos de carbono da ligação dupla.
ALDEÍDOS BENZÓICOS – Presentes na baunilha, mangas, líchias, e vinhos envelhecidos. Estruturalmente são formados por um anel de benzeno, possuidor de uma cadeia lateral constituída por um grupo funcional aldeído, H-C=O.
LINHANOS – São constituintes fenólicos, mas com estrutura mais complexa, aparecendo por vezes sob a forma de heterósidos. Fazem parte da parede celular vegetal, e encontram-se, em variadas bebidas vegetais, como a bebida de soja, os vinhos, o chá preto, o café, sendo muito comuns em chocolates em couves e em algumas frutas (em baixas percentagens), como o morango, o pêssego e a pera.
CATEQUINAS – Fazem parte de uma família fitoquímica apelidada flavano-3-OL na qual estão representadas também as epicatequinas, as galhocatequinas e as epigalhocatequinas. Encontram-se em muitos frutos, no vinho tinto, no chocolate e chá.
PROANTOCIANIDINAS – Também conhecidas como taninos condensados, são flavano-3-ol oligoméricos e poliméricos, e são especialmente representadas pelas prodelfinidinas e propelargonidinas, e encontram-se na canela, chocolate, feijão e alguns frutos.
FLAVONONAS – Ocorrem particularmente em frutos cítricos, e quase sempre sob a forma glicosilada na posição 7 por um dissacárido (neosperidose, rutinose). As formas não glicósidicas, são a hesperetina, a naringina, o eriodictiol, neohesperidina.
FLAVONAS – Encontram-se em alguns vegetais aromáticos como por exemplo, a salsa, o tomilho e o oregão, alcachofra, alface e alguns frutos. A apigenina e a luteolina são as principais representantes. Estruturalmente são 2-fenilcromen-4-ona.
FLAVONÓIS – São tal como as flavonas e as flavononas derivados metabólicos dos flavonoides, existindo nas cebolas, nos espargos, alface, funcho, salsa, oregão, vinho tinto, e alguns frutos em particular nas pêras e groselhas. A quercetina, o kaempeferol e a miricetina são os principais representantes. Estruturalmente são 3-hidroxi-2-fenilcromen-4-ona.
CUMARINAS – Existem na baunilha, no noni, nas uvas, na chicória, e em cenouras, são representadas em particular pela escopoletina, murragantina e esculetina. São derivados da benzo-alfa-pirona que estruturalmente se consideram como lactonas do ácido o-hidroxicinâmico.
XANTONAS – A mangostina, uma c-glucosilxantona, existente no mangostão e na manga é a principal representante, quimicamente são compostos mistos carbonílicos.
[1] Conhecimento já adquirido sobre a composição química (moléculas) dos vegetais, em especial das plantas medicinais. Este conhecimento apesar de se ter desenvolvido bastante na última década, deveremos dizer em abono da verdade, é ainda muito limitado e incipiente.
[2] Algumas moléculas isoladas de vegetais devido aos seus efeitos fisiológicos tipicamente de “tipo” nutricional, como aliás já referimos no artigo “suplementos alimentares e (ou) medicamentos”, devem poder ser utilizadas em suplementos alimentares e alguns alimentos com estatuto especial. Também é verdade que alguns vegetais apresentam, mesmo quando usados como “totum vegetal” uma toxicidade tão elevada, que pura e simplesmente devem ser proibidos, ou restringir-se o seu uso apenas em medicamentos.
[3] Ver compostos fenólicos.
[4] As isoflavonas têm sido alvo de investigação intensa que atesta e comprova o que aqui afirmamos e nos leva a tomar partido pelo pelo seu uso isolado.
[5] Ver Fitoestrogénios.
[6] Os compostos aromáticos formam-se particularmente a partir do ácido chiquímico, o qual origina ácido fenilpirúvico, e posteriormente ácido cinâmico (grupos funcionais ácidos em C6 – C2). Existe uma via alternativa de formação que é a do ácido malónico que predomina nos vegetais não verdes.
Autores > Eduardo Ribeiro, CEO Departamento cientifico | Controle de Qualidade| Investigação e Desenvolvimento– BIOGAL, Biologia de Portugal Lda.
> Virtuosa Pegacho, Investigação e Desenvolvimento - BIOGAL, Biologia de Portugal Lda.