O mercado de suplementos alimentares, possui estatuto legal similar ao dos géneros alimentícios comuns. É claro que os suplementos possuem uma especificidade tal que nos leva a concluir por vezes que são mais aparentados com os medicamentos, do que com os alimentos propriamente ditos. Esta conclusão é errada e pior ainda, passível, como aliás tem acontecido um pouco nos últimos dez a quinze anos, de conduzir a uma incorreta informação junto dos consumidores.
O facto de se apresentarem sob formas comuns aos medicamentos, cápsulas, comprimidos, ampolas bebíveis, gotas, etc… ; não significa que se possam considerar medicamentos. Aliás algumas destas formas de apresentação, fazem desde há muitos anos parte de alguns géneros alimentícios comuns muito conhecidos, como é o caso de alguns chocolates e produtos de confeitaria, com especial relevo para os apelidados “smarties”, havendo também variados tipos de embalagens conta-gotas como por exemplo alguns doseadores de “piri-piri” sob a forma líquida.
Na realidade os medicamentos possuem estatuto legal deveras muito diferente, e não são mais, na quase totalidade dos casos[1], do que a confirmação legal de um tipo de substâncias bem conhecidas, pelo menos no que respeita à sua identificação química e aos seus parâmetros de atividade bioquímica sobre o organismo, substâncias que apelidamos de fármacos.
Os fármacos são substâncias quase sempre monomoleculares e na sua grande maioria provenientes de síntese químico-orgânica, podendo no entanto alguns terem origem em sistemas biológicos, modificados ou não por posteriores processos de modificação estrutural, apelidados desta forma semi-sintéticos, como é o caso dos antibióticos mais recentes e também dos corticoesteróides , havendo ainda outros que são fruto da biologia molecular (genética) e dos processos biotecnológicos clássicos de produção[2]. São substâncias sujeitas a processos de investigação muito aprofundados e complicados, obedecendo a protocolos e regras muito rígidas, com avultadas somas de dinheiro investidas ao longo de vários anos.
Tudo isto acaba quase sempre por originar substâncias com uma atividade muito específica sobre o organismo, exercendo na maioria dos casos efeitos bioquímicos inversos aos normais fluxos das vias metabólicas[3], procurando alvos muito mais definidos e quase únicos, atuando como “grupos de operações especiais”, que arriscam sempre qualquer coisa porque tudo se passa, apesar da enorme preparação e planificação, de forma algo aleatória, particularmente por não haver comunicação com a outra parte, no que respeita a soluções de compromisso.
Por isso os fármacos possuem atividade apelidada farmacológica e envolvem sempre algum risco na sua utilização, e esse risco não só está dependente da quantidade utilizada, podendo inclusivamente ser mais elevado em indivíduos mais predispostos aos secundarismos e toxicidade, normalmente por apresentarem idiosincrasias não detetáveis.
Dos suplementos alimentares devem fazer parte substâncias completamente diferentes na sua forma de atividade bioquímica funcional sobre o organismo humano. A sua atividade quase nunca é específica nem persegue alvos perfeitamente definidos e únicos, respeitando no entanto na quase totalidade dos casos sempre o normal fluxo das vias metabólicas, atuando um pouco à imagem da diplomacia, privilegiando fundamentalmente a intercomunicação[4], de forma a agir em consonância com a outra parte, sendo na realidade esta forma de atividade bioquímica, aquela a que devemos apelidar de fisiológica.
A regra no que respeita à atividade de tipo farmacológico, é pois a imposição bioquímica, em que as moléculas exercem os seus efeitos da forma mais eficaz possível, mas acabando algumas vezes por provocar danos colaterais inerentes aos mecanismos que relevam da sua eficácia. Em termos químicos poderíamos acrescentar que preponderam as ligações de tipo covalente.
A margem entre a eficácia e a segurança é assim algo reduzida, e exige por isso extremos cuidados e acompanhamento médico-farmacêutico conhecedor em profundidade dos respetivos mecanismos de atividade das moléculas farmacológicas, especialmente ao nível da farmacovigilância.
A regra no que respeita às plantas medicinais e outras substâncias incluidas em suplementos alimentares é pois a comunicação e colaboração bioquímica, em que as moléculas (no caso das plantas constituindo um complexo de substâncias pertencentes a diversos tipos fitoquímicos muito diferenciados), exercendo os seus efeitos de forma sinérgica e complementar, otimizando a eficácia de forma a que os danos colaterais sejam nulos ou praticamente inexistentes e nunca assumindo características de gravidade. Em termos químicos poderiamos acrescentar acrescentar que preponderam as ligações de tipo não covalente, como sejam pontes de hidrogénio e ligações de Van der Walls. A margem entre eficácia e segurança é pois muito dilatada, não exigindo desta forma acompanhamento e vigilância rigorosos. De qualquer forma os suplementos alimentares, deverão, em nossa opinião, ser sempre obtidos pelo consumidor de forma a que possa existir em caso de dúvidas o apoio de profissionais com formação específica na área, em particular por especialistas credenciados, na medida em que apesar da sua inocuidade, há necessidade por vezes de avaliar algumas situações casuisticamente.
Em alguns setores do mercado de suplementos alimentares, existe a convicção de que a maior parte das matérias primas incluídas nestes produtos têm origem na indústria farmacêutica. Na realidade assim não é ! A maior parte das matérias primas utilizadas na produção de suplementos alimentares são produzidas por uma indústria diversificada[5], pertencente por vezes a grupos, que em alguns casos também estão ligados à indústria farmacêutica. Todavia a produção destas substâncias em nada tem a ver com a indústria farmacêutica de base, não estando por isso sujeitas ás mesmas exigências que obrigam não só a investigação extremamente rigorosa, mas também aos processos produtivos e de controle analítico dos fármacos (medicamentos).
No que respeita á produção de produtos finais, também não é verdade que os produtos atualmente considerados legalmente como suplementos alimentares sejam essencialmente produzidos em laboratórios farmacêuticos. Na realidade em todo o mundo, mas particularmente na Europa, existem muitas unidades de produção sem estatuto farmacêutico, que desde há muitas décadas produzem este tipo de produtos com padrões de qualidade muito elevados. O fato de um suplemento alimentar ser produzido numa unidade de produção com estatuto farmacêutico e normas “GMP” – “Good Manufacturer Production”, não é garantia absoluta de qualidade, nem sequer muito menos poderá relegar para uma posição secundária os suplementos alimentares produzidos em unidades com estatuto de tipo alimentar. Na realidade como já referimos anteriormente, em outras passagens destes artigos, podemo-nos aperceber que entre medicamentos (fármacos) e suplementos alimentares, existem diferenças muito apreciáveis.
Pessoalmente vamos ainda mais longe, ao defendermos que num parque de produção de medicamentos (fármacos), nunca deverão ser produzidos suplementos alimentares! E vejamos então porquê ?! Produzir medicamentos (fármacos) nas mesmas máquinas e utensílios técnicos, em que são produzidos suplementos alimentares, coloca alguns riscos de maior ou menor gravidade, consoante a dimensão dos erros voluntária ou involuntariamente cometidos.
É sempre possível[6] haver resíduos do processo produtivo de fármacos que eventualmente venham a contaminar os suplementos alimentares[7] posteriormente produzidos nas mesmas máquinas e utensílios técnicos. Evidentemente que o consumo de suplementos alimentares com resíduos de por exemplo: benzodiazepinas, antibióticos, corticoesteróides e anti-histamínicos, entre outros, ainda que em quantidades extremamente baixas, não é tolerável segundo os modernos conceitos de saúde humana. Todos sabemos aliás quanto nociva pode ser a ingestão de alimentos contendo resíduos de esteróides nas carnes e variadas substâncias químicas e agroquímicas eventualmente passíveis de poderem incorretamente estar presentes em alguns géneros alimentícios comuns.
Numa segunda hipótese sempre a ter em conta, numa unidade de produção em que se acondicionam e mantêm em utilização, substâncias tão diferentes como aquelas que compõem os suplementos alimentares e a grande maioria dos medicamentos, no fundo aquelas que temos vindo a referenciar como fármacos, a possibilidade de por falha humana serem adicionadas substâncias farmacológicas à confeção de suplementos alimentares, ainda que remota, não será de todo impossível. Como é evidente excusamo-nos a aventar a hipótese de uma eventual e remota adição ser levada a cabo de forma fraudulenta, pois não acreditamos neste tipo de comportamento por parte dos agentes económicos.
Finalmente no que diz respeito a escolhas a fazer entre suplementos alimentares e medicamentos (fármacos), algumas considerações achamos convenientes fazer.
Na realidade não existem propriamente situações em que haja verdadeira necessidade de escolha entre uns e outros. Como já anteriormente salientamos, medicamentos (fármacos) e suplementos alimentares preenchem espaços da realidade bastante diferentes, para que decisões de tal envergadura tenham que ser tomadas, em particular por leigos, sejam ou não consumidores.
Eventualmente uma possível escolha, apenas deverá ser feita por um profissional de saúde capacitado, não esquecendo nunca, como já referimos que a intervenção médica é fundamental caso haja necessidade de fazer opções em relação à toma de medicamentos (fármacos). Isto não significa que os suplementos alimentares não possam ser utilizados sem recurso a um profissional de saúde, principalmente se o utilizador (consumidor) for alguém bem informado acerca destes produtos, e tendo em conta, que os canais de comercialização deverão dar acesso a técnicos com formação adequada nessa área.
Todavia alguns princípios gerais poderão ser de utilidade muito objetiva e prática, quando se pretendem algumas respostas breves e generalizadas neste tipo de matéria.
Assim e apesar do novo estatuto do medicamento pretender invocar o contrário, os medicamentos (fármacos) não servem completamente os desígnios da prevenção[8] propriamente dita de doenças, mas sim para prevenir que uma doença já instalada se agrave e ponha em risco a vida do doente. Não é, e em princípio não será nunca prática comum em clínica médica receitar fármacos com o objetivo de contribuir para a manutenção do estado de saúde de indivíduos não doentes.
No entanto os suplementos alimentares preenchem (sempre preencheram) este requisito, servindo essencialmente para evitar a instalação da doença num indivíduo saudável. Se isto não é prevenção, gostaríamos que alguém mais esclarecido nos explicasse o que é ! Como estamos plenamente convencidos que não existe esta explicação, acabamos por uma vez mais concluir, como infelizmente em muitos outros assuntos e problemas que modernamente enfrentamos em especial na União Europeia, com os devidos reflexos em Portugal, que se instalou uma vez mais a hipocrisia e mediocridade das posições veladamente ignorantes em favor de “lobies de pressão” que preferimos não enunciar.
Mas aos suplementos alimentares não cabe somente esta importante função de manutenção da saúde ! Em muitas situações em que a saúde já possa estar comprometida, especialmente em algumas disfunções agudas não graves[9] e particularmente, com maior evidência nas disfunções crónicas[10], os suplementos alimentares podem muitas vezes desempenhar uma função fundamental na recuperação da saúde. Escamotear estas evidências é uma vez mais ignorar hipócrita e mediocremente uma realidade bem fundamentada em fatos científicos, e a experimentação aplicada que atualmente se leva a cabo nesta área do conhecimento em que inclusive muitos alimentos comuns são considerados como possuidores de propriedades preventivas e até curativas[11].
[1] Existem alguns produtos com estatuto de medicamento que não são realmente fármacos, sendo por isso em nossa opinião mais passíveis de serem, como aliás o são, considerados suplementos alimentares, como por exemplo: plantas e os seus extratos totais; proteínas (incluindo algumas enzimas); alguns péptidos e a maior parte dos aminoácidos (em especial os componentes das proteínas); vitaminas; minerais e oligoelementos; a maior parte dos glúcidos e lípidos (de efeitos nutricionais e (ou) fisiológicos; alguns derivados orgânicos de aminoácidos (como a carnitina e a creatina); algumas coenzimas; e a grande maioria dos bioflavonoides, esteróis e outras substâncias de origem não só vegetal, mas também animal e microbiana (direta-biomassas ou indireta-metabolitos) cujos efeitos sejam essencialmente fisiológicos e que não possuam efeitos secundários nem toxicologia relevantes. [2] A insulina e somatotrofina (hormona de crescimentos), são atualmente produzidas por recombinação do gene humano responsável pela sua síntese, em material genético microbiano, que acaba finalmente produzindo estas substâncias em processo fermentativo direto, com posteriores processos de isolamento e purificação. [3] Nas substâncias de origem biotecnológica já referidas ( insulina, somatotrofina) são diferentes. No entanto os riscos da sua utilização não permitem a sua utilização com outro estatuto legal, que não seja o de medicamento. [4] Ver artigo sobre “Totum vegetal”. [5] Esta indústria produz as mais diversas matérias primas por processos extremamente variados, quase sempre relacionados com a engenharia bioquímica e a química orgânica fina. Estas matérias primas destinam-se não só a suplementos alimentares e por vezes a medicamentos, mas na grande maioria também, a géneros alimentícios comuns, em especial aditivos e auxiliares tecnológicos, cosmética, agricultura (agroquímica e agrobiológica), indústrias intermédias, indústrias ligadas á defesa nacional, laboratórios de investigação e ensino, laboratórios de análises clínicas, etc. [6] Devido a esta possibilidade sempre presente, alguma legislação tem vindo a ser produzida nos últimos anos nos E.U.A e U.E. , de forma a informar e proteger o consumidor, mas diz apenas por enquanto respeito a contaminações cruzadas entre géneros alimentícios comuns diversos, tendo em conta questões alergológicas. [7] Evidentemente a situação inversa também é perfeitamente possível; os fármacos serem contaminados pelos resíduos dos suplementos alimentares, o que certamente será muito inconveniente para a sua pureza final. De qualquer forma para nós esta é uma questão que não pretendemos debater, deixando esse debate para os responsáveis da indústria farmacêutica. Existe atualmente tecnologia que permite evitar este tipo de contaminação, o que não significa que ela seja sempre utilizada, ou utilizada corretamente. [8] As vacinas constituem uma situação de exceção. Todavia e no sentido em que temos vindo a desenvolver o nosso pensamento, as vacinas não devem ser consideradas fármacos. Deverão contudo possuir sempre, estatuto legal de medicamento. [9] Por exemplo constipações e gripes. [10] Por exemplo algumas doenças do foro reumático [11] Ver artigo sobre vegetais de tipo alimentar em patologia humana
Autores > Eduardo Ribeiro, CEO Departamento cientifico | Controle de Qualidade| Investigação e Desenvolvimento– BIOGAL, Biologia de Portugal Lda.
> Virtuosa Pegacho, Investigação e Desenvolvimento - BIOGAL, Biologia de Portugal Lda.