O TOTUM VEGETAL INFORMAÇÃO TÉCNICO-CIENTÍFICA

 

A compreensão deste conceito é fundamental na iniciação ao estudo e aplicação das apelidadas plantas medicinais. Este latinismo passou a ser inscrito na terminologia da especialidade, por Max Tetau e Claude Bergeret em meados dos anos 70 do século passado. A sua definição corresponde ao total de moléculas existentes no interior do citoplasma celular dos vegetais utilizados.

É nosso costume, em prática académica, utilizar uma analogia explicativa facilmente inteligível, a confeção de uma tisana de plantas para uso medicinal ou para simples degustação, corresponde ao total intracitoplasmático vegetal, correspondendo desta forma ao conceito de “Totum vegetal”. Assim este conceito acaba por se traduzir técnica e cientificamente na noção de extrato total, que poderá como é evidente possuir, concentrações diferentes, que vão desde a simples tisana, passando por várias concentrações de extratos líquidos (em especial o extrato fluido), e pelos extratos moles, acabando nos extratos secos. Esta abordagem não contempla os apelidados extratos padronizados (estandardizados), e muito menos a utilização de moléculas isoladas e purificadas e cópias moleculares conseguidas com recurso aos processos e metodologias próprias da química orgânica de síntese.

A experimentação científica está na base, e fundamenta o conceito de “totum vegetal”.

A experimentação levada a cabo por Tetau e Bergeret com o eucalyptus globulus, e que ficou reconhecida na bibliografia da especialidade como “Noção de rendimento máximo do eucalyptus globulus”, constitui o paradigma daquele conceito.

Os investigadores escolheram o eucalyptus globulus, por em meados do século passado (possivelmente ainda hoje) ser um dos vegetais alvo de maior e melhor investigação fitoquímica, reconhecendo-se então uma grande quantidade de moléculas ou grupos de moléculas existentes no citoplasma das células deste vegetal. O eucalipto (folhas) é bem conhecido pelas suas propriedades ao nível do aparelho respiratório superior, no entanto também possui uma atividade hipoglicemiante (reduz os níveis sanguíneos de açúcar). Na experimentação Tetau e Bergeret utilizaram cães pancrosectomizados (aos quais se extraiu o pâncreas), sendo assim incapazes de produzirem insulina. A um grupo de animais foram administradas uma a uma todas as substâncias quimicamente isoladas do eucalipto. Nenhuma das substâncias demonstrou atividade hipoglicemiante. Numa segunda fase, os investigadores misturaram (à posteriori) todas as moléculas[1] previamente isoladas numa solução extemporânea, administrando esta solução a um outro grupo de animais. Esta solução também não exerceu qualquer efeito hipoglicemiante. Como é isto possível, se o extrato total do eucalipto demonstra um claro efeito hipoglicemiante?! A resposta não é fácil e como normalmente acontece nos meandros científicos reducionistas, estas questões muito desconfortáveis são deixadas no esquecimento. Mas Max Tetau e Claude Bergeret, não pretendendo que assim fosse lançaram o debate sobre esta questão no meio científico ligado ao estudo das plantas, em especial das apelidadas medicinais.

Assim afirmações como as da investigadora francesa Bezanger-Beauquesne, “todas as biossínteses do vegetal ao animal, utilizam as mesmas enzimas e recetores idênticos ou semelhantes, enquanto que a substâncias sintéticas são em geral, estranhas ao organismo humano”, e do saudoso professor de farmacognosia, Aloísio Fernandes Costa “ nos vegetais medicinais de composição naturalmente complexa, não há constituintes inertes, pois cada um atua isoladamente e numa ordem de grandeza proporcional à sua atividade, e a sua ação representa o somatório de todas as acções sobre os seres vivos”, já denotam que o debate desta questão não é nada fácil, mas é sem dúvida fundamental e apaixonante, em especial para aqueles que se dedicam ao estudo e aplicação prática, em particular na indústria das apelidadas plantas com ação fisiológica sobre o organismo humano, que na maior parte das vezes são constituídas pelas apelidadas “plantas medicinais”. Um brilhante trabalho da “Societé Internationale de Médecine endobiogénique et de physiologie intégrative“, apresenta já algumas soluções, particularmente ao nível fisio-patológico para esta problemática.

Pela parte que nos respeita, temos vindo nos últimos dez anos a teorizar, com alguma ainda bastante reduzida aplicação experimental, sobre esta questão do “totum vegetal”, e quase sem termos dado conta, acabamos por nos deparar com alguns caminhos, que consideramos sustentáveis mas não únicos, por onde seguir. O mais significativo será o que é representado pela química supramolecular. Disciplina da química, por ser definida como “ a química para além da molécula”, “ dedicada às entidades organizadas de maior complexidade que resultam da associação de duas ou mais espécies químicas ligadas por forças intermoleculares”. Esta disciplina estuda toda uma serie de processos, que pressupõem essencialmente a existência de “informação molecular”, “uma noção que se tornou um principio básico e crucial da química supramolecular. As duas grandes áreas desta disciplina, a das “supermoléculas oligomoleculares” e a das “assembleias supramoleculares”, que constituem arranjos polimoleculares que apresentam organização mais ou menos definida e características macroscópicas que dependem da sua natureza (camadas, filmes, membranas, vesículos, micelas, microemulsões, géis, fases meomórficas, etc.), mas em especial esta última são em nosso entendimento, fundamentais na atual fundamentação científica e na futura compreensão dos processos de atividade fisiológica, extremamente complexos, próprios dos extratos totais de vegetais (totum vegetal).

Na realidade um extrato total (totum vegetal) é composto por uma multitude de moléculas extremamente diversificadas em termos estruturais e dinâmicos, que pretender explicar a sua total atividade (segundo contornos holísticos) acaba por se tornar tarefa de difícil inteligibilidade, em especial se os instrumentos de estudo e investigação forem essencialmente aqueles usados na fundamentação da atividade de uma ou muito poucas moléculas isoladas ou em conjunto sobre a bioquímica humana, como faz por exemplo a farmacologia, assente em particular na farmacocinética. Estas disciplinas ainda que recorrendo fundamentalmente à química orgânica e bioquímica, não permitem todavia penetrar no intrincado processo de avaliação do efeito fisiológico do “totum vegetal”, sendo assim necessário recorrer a instrumentos capazes de lidar com uma muito maior complexidade, mas facilitando a compreensão e tornando inteligíveis os processos de atividade fisiológica do “totum vegetal”.

Com efeito como atrás referimos, o facto de a associação extemporânea das substâncias previamente isoladas do eucalipto, não possuírem o efeito fisiológico que o vegetal possui como “totum vegetal”, levanta questões apaixonantes no que se relaciona com a fisiologia em geral e a bioquímica em particular. Em nossa opinião deverão existir condicionantes “ in natura” que os processos laboratoriais de isolamento eventualmente terão eliminado, perdendo-se desta forma o efeito sinérgico dependente da informação entre todas as moléculas existentes no “totum”. No seguimento desta abordagem, poderemos ainda acrescentar o facto de a grande maioria dos extratos totais de vegetais possuir efeitos fisiológicos diversos e muitas vezes conducentes a objetivos comuns. A Cynara scolymus (alcachofra) que possui atividade hepatoprotectora e reguladora dos processos de eliminação ao nível renal é um exemplo, pois como é bem sabido, as funções hepática e renal são extremamente inter dependentes. O que o fígado metaboliza mal os rins não poderão excretar convenientemente e vice-versa. Aliás este duplo efeito fisiológico é apanágio de praticamente todos os vegetais com atividade preponderante ou sobre o fígado ou sobre rins.

Além do mais, a investigação levada a cabo no sentido de isolar moléculas (os apelidados princípios ativos) das plantas medicinais para tratamento das patologias humanas, tem na grande maioria dos casos sido votada ao fracasso, e nas pouquíssimas situações de sucesso, essas moléculas são quase sempre oriundas de vegetais extremamente tóxicos, não utilizados em suplementos alimentares como por exemplo a dedaleira, o estrofanto, etc.

Voltando aos instrumentos científicos para fundamentação dos efeitos fisiológicos do “totum vegetal” e apelando uma vez mais à química supramolecular, Nina Hall e seus colaboradores no seu livro “Neoquímica”, afirma que “complexo não é o mesmo que complicado”, e “a ciência supramolecular não pode ser uma disciplina reducionista, mas sim uma disciplina integradora”.

Na realidade o estudo dos efeitos fisiológicos do “totum vegetal” sobre o organismo humano só poderá evoluir à luz de uma abordagem integradora (holística) e nunca de forma reducionista, e assentando fundamentalmente em atributos da bioquímica de informação inter-supermolecular e inter-assembleias moleculares, em que variadíssimas moléculas e grupos de moléculas fitoquímicas[2] trocando informação entre si, e concomitantemente colocando essa informação à “disposição” de grandes agregados biomoleculares das células e tecidos do organismo humano, conduzam aos já bem conhecidos efeitos fisiológicos, responsáveis pela manutenção e recuperação da saúde.

A “noção de rendimento máximo do totum vegetal do eucalyptus globulus”, que Max Tetau e Claude Bergeret protagonizaram, poderá assim num futuro próximo assentar em bases científicas, capazes de permitir ainda melhores opções nas metodologias tecnológicas dos processos de extração do total intracitoplasmático vegetal, com consequentes benefícios na qualidade final dos produtos, aumentando a eficácia, eventualmente até com utilização de dosagens inferiores, preponderando a qualidade sobre a quantidade, com todas as implicações positivas que daqui resultam, económica e ambientalmente.

 


 Jean – Marie Lehn- Química supramolecular; ISTPress – Instituto Superior Técnico Lisboa.

Nina Hall – Neoquímica; Bookman Porto Alegre.

Claude Bergeret / Max Tetau – La phytothérapie renovée; Maloine Editeur, France.

Eduardo Ribeiro – Plantas medicinais e complementos bioterápicos; Europa-américa/Vida editores, Mem Martins.

Jean Michel Morel – Nouveau guide de phytotherapie; Grancher, France.

Aloísio Fernandes Costa – Farmacognósia; Gulbenkian editora, Lisboa.

David Hoffmann – New holistic herbal; Element, Massachusetts.

Bezanger Beauquesne – Les plants dans la therapeutique moderne – Maloine, France


 

[1] Eventualmente grupos de moléculas. A tecnologia no que respeita à investigação das plantas medicinais, não permite muita vezes diferenciar em absoluto a natureza química das substâncias. Como paradigma desta questão podemos apresentar a silimarina do cardo mariano (Sylibum Marianum) que durante algumas décadas se identificou como, um único bioflavonoide, mas que atualmente sabemos serem três moléculas isómeras, a silibina, a silidina e a silicristina.

[2] Este é sem dúvida, também, o domínio das apelidadas sinergias fitoterápicas, que poderão ser positivas ou negativas e que por isso também podem não corresponder totalmente à lógica matemática de 1+1=2, podendo neste caso, ser 0 ou 3 por exemplo.

Autores > Eduardo Ribeiro, CEO Departamento cientifico | Controle de Qualidade| Investigação e Desenvolvimento– BIOGAL, Biologia de Portugal Lda.
> Virtuosa Pegacho, Investigação e Desenvolvimento - BIOGAL, Biologia de Portugal Lda.