Vegetais de tipo alimentar em patologia humana

Na primeira metade do século passado a Naturopatia[1], representada essencialmente por Adrian Vander, Sebastian Kneip, Kuhne, Nicolas Capo, Ferrandiz, Pierre Marssechau, Gregoire Jauvais, e pelos portugueses Indiveri Colluci e José Lyon de Castro, já preconizava a utilização de alimentos em terapêutica humana, fundamentando a sua aplicação prática em bases quase totalmente empíricas, mas não deixando mesmo assim denotar alguns pormenores que atualmente poderemos considerar com alguma fundamentação científica. Estes autores-investigadores chegaram mesmo a denominar esta disciplina da Naturopatia de Trofologia, na sua vertente de estudo e de trofoterapia na sua vertente de aplicação prática à patologia humana.

Naquela época a Nutrição (Nutricionismo) apenas estudava os alimentos no sentido analítico e com objetivos meramente nutricionais ou seja, apenas se preocupando com as necessárias quantidades de nutrientes e calorias para a manutenção em bom estado de saúde do ser humano, o que ainda faz fundamentalmente, preocupando-se todavia agora um pouco mais com as possibilidades de uso de alguns alimentos no restabelecimento da saúde em alguns casos de doença.

Emergindo por estas formas de estudar e utilizar os alimentos uma nova corrente de abordagem, passou nos últimos vinte anos em particular a associar o estudo analítico à perspetiva holística própria da trofologia (trofoterapia) dos naturopatas do período clássico, acabando por se impor atualmente com todo o crédito que a tecnologia e a ciência são capazes de atribuir a quem delas se serve racional e planificadamente, utilizando metodologias de intensa pesquisa bioquímica dos alimentos associada a regulares e rigorosos trabalhos de pesquisa em animais de laboratório e em estudos clínicos bastante aparentados aos que se utilizam em investigação de fármacos.

Desta forma nos encontramos atualmente perante o renascimento de uma disciplina cientifica que visa a aplicação prática dos alimentos a situações declaradas de doença, e portadora de novos conhecimentos que a pouco e pouco, se vão tornando revelações por vezes surpreendentes, e que é totalmente merecedora de poder ser, como muitas vezes já é designada por terapêutica alimentar[2], terapêutica nutricional[3], e que em nossa opinião não ficaria nada mal se voltasse a utilizar a terminologia Trofoterapia[4].

Os suplementos alimentares têm colhido, e continuarão certamente a ter, enormes benefícios do rápido e bem sustentado desenvolvimento desta moderna disciplina das ciências químico-biológicas aplicadas à saúde humana. Não é por isso estranho que muitos suplementos apareçam hoje no mercado, colocando à disposição do consumidor formas concentradas e doseadas de certos géneros alimentícios mais ou menos comuns, por exemplo extrato concentrado de tomate, ou até mesmo contendo algumas moléculas isoladas, por exemplo o licopeno do tomate que se sabe poder contribuir positivamente para a prevenção e tratamento da hipertrofia prostática.

Nesta enorme e rápida sucessão de acontecimentos, algumas mentes tradicionalmente conservadoras pretendem chegar a algumas conclusões precipitadas e por isso tentam a todo o custo, contrariando uma vez mais o normal curso da história, impor regras despropositadas que pretendem fundamentar como cientificas, no sentido de influenciar os poderes politico e legislativo (em especial na União Europeia), de forma a evitar que a terapêutica alimentar não se possa considerar terapêutica, que os alimentos não possam ser comercializados aludindo às suas propriedades de prevenção e tratamento [5]. No que respeita aos suplementos alimentares esta situação acaba por quase inibir a investigação e aplicação do conhecimento científico a um ramo em franco desenvolvimento, que sempre demonstrou, muito antes do aparecimento da legislação específica, poder contribuir para a prevenção e tratamento de doenças. É pois algo irracional e pouco digno dos valores pretensamente democráticos, por que se regem os países da UE, pretender de forma prepotente e autoritária proibir a utilização de alegações de saúde em relação a alguns alimentos e muito particularmente no que respeita aos suplementos alimentares, que aliás só existem (e sempre existiram) com essa e para essa finalidade, a prevenção e eventualmente a contribuição para o tratamento de algumas doenças. Felizmente, no entanto alguma legislação europeia recente parece abrir portas para uma nova abordagem acerca deste assunto ainda que bastante limitativa.

Existem todavia algumas diferenças significativas entre alimentos (géneros alimentícios comuns) e suplementos alimentares como aliás o próprio texto do Decreto-lei 136 de 28 de Junho de 2003 deixa bem claro. Assim os suplementos alimentares são algo que se apresenta sob a forma concentrada e doseada.

Na realidade, como já anteriormente referimos, os suplementos, apesar de em alguns casos poderem ser elaborados de matérias-primas tendo como base géneros alimentícios comuns, apresentam na sua forma final uma maior concentração em virtude da sujeição das matérias-primas a processos extrativos com capacidades de concentração variáveis e possuindo formas de ingestão muito similares, senão mesmo iguais, às dos medicamentos. Assim é muito comum ver nas prateleiras das lojas de especialidade, comprimidos, cápsulas, ampolas, frascos conta-gotas, etc. Todas estas formas de apresentação se encontram na forma doseada[6], obrigando inclusive a própria lei que possuam na rotulagem a “toma diária” representada quantitativamente, e realçando que “a toma diária não deve ser excedida”.

Enunciaremos de seguida alguns alimentos (géneros alimentícios comuns, que também têm sido utilizados na forma concentrada e doseada como suplementos alimentares) cujos estudos e investigação científica provam definitivamente que o apanágio da prevenção e cura de doenças não se encontra, nem nunca se poderá encontrar restrito aos fármacos (medicamentos). De realçar ainda que alguns desses alimentos se encontram muitas vezes representados entre as apelidadas plantas medicinais, o que também abona fortemente em favor da tese não limitativa da utilização de vegetais medicinais em suplementos alimentares, e que esses mesmos suplementos devem por isso inscrever na sua rotulagem alegações de saúde[7].

 

Conhecido cientificamente com a designação Lycopersicon esculentum, é um vegetal de uso alimentar extremamente corrente em quase todo o mundo.

Na Europa, com especial relevo para Portugal o seu consumo atinge níveis muito elevados, sendo o nosso país não só um grande consumidor, mas também um dos grandes produtores. A relevância do tomate no que respeita aos suplementos alimentares está relacionada com o seu teor em licopeno. Esta substancia é um carotenoide, e também existe em outros vegetais como por exemplo a melancia, goiaba e certas castas de uva.

O licopeno saltou para a ribalta da investigação e aplicação em suplementos alimentares, devido aos seus efeitos fisiológicos conducentes à proteção da próstata. Esta terminologia é contudo muito limitativa, e senão vejamos o quanto esta substancia existente em grande quantidade no tomate pode ter de importância em saúde e doença humanas.

Possui atividade antioxidante reduzindo a peroxidação dos lípidos, melhorando o stress oxidativo provocado pelo fumo do tabaco, diminuindo em particular a peroxidação das lipoproteínas de baixa densidade, o que poderá sugerir uma diminuição de risco de doença coronária.

Estudos epidemiológicos e bioestatísticos revelaram que a ingestão de licopeno suplementar diminui o risco de aparecimento de cancro da próstata em especial, mas também do pâncreas e estomago. Observou-se clinicamente que baixos níveis plasmáticos de licopeno eram muito frequentes em mulheres com neoplasia cervical intraepitelial e neoplasia cervical maligna (cancro), sugerindo desta forma uma eventual proteção havendo elevadas concentrações (após suplementação) de licopeno.

Não existem referências bibliográficas relativas a toxicologia do licopeno, e a nossa experiencia de já vários anos no mercado de suplementos alimentares, utilizando a substancia isolada e/ou extratos muito concentrados de tomate leva-nos a concluir que o licopeno é desprovido de toxicidade, mesmo em dosagens muito acima das referenciadas como possuidoras dos benefícios anteriormente apontados.

Cultivada há centenas de anos, e recomendada por Dioscórides na eliminação de maus odores, a Alcachofra (Cynara scolymus), é hoje em dia um dos vegetais alimentares, mais investigados pelos seus benéficos efeitos sobre a fisiologia humana.

Este vegetal possui as seguintes atividades fisiológicas bem conhecidas e superiormente validadas por imensos estudos idóneos de carater verdadeiramente científico: – Atividade antioxidante, tendo os seus flavonoides sido considerados antioxidantes em particular a luteolina; – Atividade benéfica sobre a digestão reduzindo os transtornos relacionados com a dispepsia, perda de apetite e náuseas; – Ação hepatoprotetora, protegendo o hepatócito (célula hepática) de eventuais agressões metabólicas em particular de origem alimentar (má alimentação e excesso de bebidas alcoólicas); – Ação colerética, estimulando no hepatócito disfuncional a produção de bílis que se parece ficar a dever a uma atividade sinérgica dos seus bioflavonoides (em particular luteolina e cinarina) e aos ácidos cafeoilquínicos; – Ação moderadamente de tipo diurético. A Alcachofra como todos os colagogos e coleréticos não deve ser usada em casos de obstrução do ducto biliar.

A planta seca rasurada ou em pó e os seus extratos possuem excelente tolerância revelando complexa atoxicidade.

Algumas pequenas virtudes desta fruta (Pyrus malus) em relação ao bem-estar e saúde do aparelho digestivo, em particular dos intestinos, regulando o seu trânsito e contribuindo para um melhor equilíbrio da flora intestinal, especialmente devido ao seu teor em substâncias pécticas, são sobejamente conhecidas.

Não se pense todavia que estas virtudes por nós apelidadas de pequenas, o são por si só. Acabam por ser pequenas, na medida em que a maçã possui outras “virtudes” bastante “maiores”. Senão vejamos; este vegetal possui entre outras substâncias fitoquímicas conhecidas, elevado teor em polifenóis, isoflavonóides, e alguns ácidos fenólicos, que promovem a proteção contra agressões ao ADN celular, agressões que podem induzir mutações conducentes a neoplasias malignas.

Vários estudos epidemiológicos levados a cabo nos Estados Unidos da América em que participaram 77000 mulheres e 47000 homens, concluíram que o consumo regular de maçã (1 por dia) reduzia em 21% o risco de cancro do pulmão, particularmente no grupo feminino. Um estudo publicado na revista “Nature” descreve o tratamento de células cancerosas do cólon com extratos de maçã.

Outro estudo envolvendo ratos expostos a um carcinogénico e alimentados com extrato concentrado equivalente a 6 maçãs diárias durante 24 semanas, provou uma redução de 44% de incidência de tumores mamários. Os efeitos dos sumos e extratos de maçã sobre o aparelho cardiovascular também têm sido bem estudados nos últimos dez anos, em especial por inibição da oxidação do colesterol componente das lipoproteínas de baixa densidade tendo-se no entanto que ter em conta que a maior parte destes efeitos está relacionada com o consumo simultâneo do fruto e da pelicula que o reveste (a casca).

Esta tão conhecida especiaria que os navegadores portugueses pela mão do iluminado Garcia de Orta, trouxeram ao conhecimento dos europeus e que rapidamente adquiriu estatuto vegetal primordial na culinária, em especial na magnífica pastelaria conventual portuguesa, representa atualmente um recurso medicinal de grande evidência. Os seus benéficos efeitos sobre os processos digestivos em particular como secretagogo dos sucos digestivos portadores das necessárias enzimas para a correta digestão dos nutrientes (prótidos, lípidos e glúcidos), são sobejamente conhecidos.

Todavia nestes últimos cinco anos, investigação e posterior aplicação desta mesma investigação, concluí possuir a Cinnamon ceylanicum atividade de tipo hipoglicemiante, que se deve em particular a um grupo de substâncias fitoquímicas apelidados polímeros de metilhidroxicalcona. No entanto estes polímeros (associações de diversas moléculas metilhidroxicalcona em quantidades variáveis) parecem não exercer nenhuma atividade quando isoladas e purificadas a partir do extrato total do vegetal, sendo por isso de constatar que outras moléculas como o aldeído cinâmico e outras substancias aromáticas como o eugenol e o metileugenol, devam ser sinérgicas[1]daquela atividade hipoglicemiante.

[1] A este propósito ver artigo ”o totum vegetal”.

A Curcubita pepo ou Curcubita maxima é um alimento deveras conhecido, utilizado largamente na confeção de sopas e em doçaria.

As suas sementes têm sido usadas pela medicina tradicional popular durante seculos, em especial como eliminadoras dos vermes intestinais.

Estudos duplamente cegos efetuados durante três meses utilizando extrato seco elaborado a partir das sementes de Curcubita melhoram significativamente os parâmetros clínicos da hipertrofia prostática benigna, incluindo o fluxo urinário, o tempo de micção, a urina residual e a frequência urinária, em comparação com os resultados obtidos com o placebo.

Utilizado pelos antigos gregos, este vegetal também era bem conhecido pelos antigos chineses, indianos e egípcios.

Plínio recomendava-o para melhorar a visão. Na idade média foi alvo de grande procura como condimento alimentar. O Funcho tem sido utilizado não só na América do Norte mas também na Europa como aromatizante de rebuçados e licores, além de diversos outros géneros alimentícios comuns. O seu óleo essencial também tem sido utilizado como protetor de frutas e legumes armazenados no sentido de evitar infestações por fungos.

Em apicultura é considerada uma planta de especial importância, para pasto das abelhas, atribuindo um gosto e odor muito agradáveis ao mel por elas produzido.

O funcho (Foeniculum vulgare), possui atividade carminativa, eliminadora dos gases acumulados nos intestinos, e em particular no estomago, por modular fisiologicamente o funcionamento do cárdia e do piloro. A redução do meteorismo e da flatulência são particularmente relevantes em lactentes com dificuldades de eructação.

Alguns estudos apontam ainda no sentido de uma atividade estimulante da lactação. O funcho possui substancias com alguma atividade estrógeno-similar em particular os polímeros de anetol.

O uso do óleo essencial isolado deve respeitar as dosagens, na medida em que a ingestão de quantidades algo elevadas podem relevar alguma toxicologia hepática e produzir fotodermatite. No entanto os pulverizados e os extratos totais da planta ou das sementes não possuem qualquer tipo de toxicidade, mesmo em dosagens bastante mais elevadas do que aquelas que produzem os efeitos fisiológicos benéficos.

 

Vegetal sobejamente conhecido da quase totalidade da população mundial, o Alium sativum já era utilizado pela antiga civilização egípcia, estando as suas propriedades descritas em inscrições nas paredes da pirâmide de Queops.

Utilizado durante o período medieval, na lepra, o alho foi também usado pelos índios americanos em variadas situações, com particular relevância em casos de flatulência.

Este bolbo aromático de uso quase obrigatório em culinária possui na realidade virtudes nutricionais bem conhecidas dos meandros científicos, existindo muita bibliografia comprovativa.

Por exemplo no que respeita à sua atividade sobre lipoproteínas e hipercolesterolémia, adianta-se inclusivamente um hipotético mas bem fundamentado mecanismo de ação, relacionado com a inativação de tiol enzimas (enzimas contendo um grupo sulfurado com a coenzima A) e oxidação da NADPH (nicotinamida adenina dinucleotido fosfato), uma coenzima que tal como a CoA é utilizada na síntese dos lípidos. Apesar dos eventuais efeitos sobre a agregação plaquetária não serem conclusivos em variados estudos levados a cabo, foi no entanto proposto o mecanismo de inibição da agregação das plaquetas, por inibição da síntese do tromboxano.

Em alguns testes “in vitro”, o óleo de alho inibiu a agregação plaquetária, através da via ADP-indutiva (inibição da indução da agregação na fase em que interfere a adenosina difosfato), numa concentração acima de 10 mcmol/L no plasma. No que respeita à formação de trombos por danos vasculares, os estudos experimentais minimizaram as condições do fluxo sanguíneo em artérias de pequeno e médio calibre por variação da velocidade sanguínea.

Investigação recente provou que o óleo de alho possui um efeito modulador do comportamento intestinal, em particular nos transtornos da hipermotilidade intestinal em ratos, tendo os modelos experimentais incidido sobre a redução da motilidade gástrica em 75%, após uma ingestão de carvão, e a inibição da diarreia induzida com óleo de castor durante mais de três horas. Os efeitos antisséticos e antibacterianos dos extratos totais de alho, estão sobejamente fundamentados em estudos “in vitro”, em relação a microrganismos Gram+ e Gram-.

A sua atividade antimicótica (eliminadora de fungos) também é bem documentada pelos testes “in vitro”, em especial no que respeita à candida.



 

[1] Uma das modernamente apelidadas terapêuticas não convencionais, a que no seu conjunto preferimos designar por Naturologia.

 

[2] Alguns autores referem-se a alimentos funcionais.

 

[3] Alguns autores referem-se a alimentos funcionais.

 

[4] “Trofo” (de alimentos; de nutrir) e “Terapia” (de terapêutica; de tratar; curar).

 

[5] Alguns exageros têm sido cometidos neste campo dos alimentos com alegações de saúde, e também a alegações nutricionais. A objetiva aplicação das normas existentes deverá pôr fim a tais excessos

[6] Na realidade existem hoje alguns géneros alimentícios na forma doseada. É o caso de algumas margarinas e alguns iogurtes (bebidas lácteas mais ou menos fermentadas) contendo fitoesterós e fitoestanóis adicionados em dosagens significativas e que reduzem a assimilação do colesterol. O estatuto destes géneros alimentícios é diferente e em nossa opinião muito mais aparentado com o dos suplementos alimentares.

[7] A este propósito não podemos deixar de acrescentar que a posição das autoridades competentes no nosso país na área dos suplementos alimentares, é mais flexível, coerente e conforme as revelações científicas, estando abertas ao diálogo, no sentido de atribuir a esta nova classificação legal um estatuto mais consentâneo com a sua própria realidade.

 

 

 


Autores > Eduardo Ribeiro, CEO Departamento cientifico | Controle de Qualidade| Investigação e Desenvolvimento– BIOGAL, Biologia de Portugal Lda.
> Virtuosa Pegacho, Investigação e Desenvolvimento - BIOGAL, Biologia de Portugal Lda.